“... Coincidindo o processo de desdobramento da personalidade com o processo de aculturamento, o desenvolvimento corresponderia às necessidades como ser social de, junto à identidade pessoal, adquirir uma identidade cultural (...) no ser, no simples ser - no viver e trabalhar e realizar conteúdos de vida - se encontraria verdadeiramente a fonte da criação, fonte de infinitas e ainda nem sondadas possibilidades humanas no homem.”
(Fayga Ostrower)
Assim como o espaço potencial, na concepção winnicottiana, situa-se numa região fronteiriça e porosa entre o mundo interno e o externo, possibilitando que as experiências se tornem significativas, a atividade artística, ligando a pessoa à cultura, instaura um diálogo fluente entre ambas.
A inserção da pessoa na cultura paradoxalmente só é satisfatória na medida em que sua singularidade e seu estilo de ser, uma vez estabelecidos, puderem conviver em diversos níveis de sintonia com o campo social, o que gera sempre novas questões e deflagra processos de transformação tanto no ser quanto na realidade.
Do mesmo modo que, no jogo, o clima de “faz-de-conta” é necessário ao pleno desenrolar da atividade lúdica, na qual os brinquedos passam a desempenhar funções condizentes com as necessidades psíquicas da criança, os temas elegidos pelo artista durante a execução de sua obra não se resumem a uma reprodução ou cópia do real (mesmo nas obras mais “realistas”), pois eles são apenas pretextos para que determinadas questões estéticas, que estão indissoluvelmente ligadas a questões existenciais, possam ser trabalhadas, dando voz e mobilidade a conteúdos de vida.
Do mesmo modo que, no jogo, o clima de “faz-de-conta” é necessário ao pleno desenrolar da atividade lúdica, na qual os brinquedos passam a desempenhar funções condizentes com as necessidades psíquicas da criança, os temas elegidos pelo artista durante a execução de sua obra não se resumem a uma reprodução ou cópia do real (mesmo nas obras mais “realistas”), pois eles são apenas pretextos para que determinadas questões estéticas, que estão indissoluvelmente ligadas a questões existenciais, possam ser trabalhadas, dando voz e mobilidade a conteúdos de vida.
O fazer artístico pulsa entre o compartilhar dos valores e paradigmas constituídos e reconhecidos coletivamente e a afirmação do sujeito em sua particularidade de visão e concepções, atribuindo novos significados à realidade e, portanto, também interferindo no mundo em que se vive.
Há um certo patamar de tensão necessário ao exercício da criatividade, que contrapõe e religa, sempre num nível mais abrangente e de maior complexidade, o novo ao já vivido e constituído.
A arte, por um lado, sempre espelhou a visão de homem e de mundo constelada em determinado momento histórico, mas por outro prenunciou mudanças, apontou caminhos e deu forma sensível a anseios, necessidades e possibilidades existenciais ainda não reconhecidas e não atualizadas e contextualizadas.
“A obra de arte é a objetivação sensível ou imaginária de uma nova concepção, de um sentimento que passa, assim, pela primeira vez, a ser entendido pelos homens, enriquecendo-lhes as vivências.”
(Mário Pedrosa)
Tanto na arte abstrata quanto na figurativa, há sempre uma afirmação, interpretação e recriação do homem em sua intrínseca relação consigo próprio, com o outro, com o meio e com o cosmo.
Talvez a arte comece a se tornar irreconhecível para o homem que não encontra ressonância na articulação social da qual participa, sentindo-se mais como uma presa na teia cultural do que como um dos tecelões de sua trama. Diante desse contexto, tende a buscar nas manifestações artísticas ecos de seu pequeno cotidiano ou refúgios que o apartem dele, sendo ambas formas de se afastar de seu nicho existencial, da busca de nexo e sentido para o ser, como se o existir já lhe exaurisse. Mas como disse Pedrosa,
Tanto na arte abstrata quanto na figurativa, há sempre uma afirmação, interpretação e recriação do homem em sua intrínseca relação consigo próprio, com o outro, com o meio e com o cosmo.
Talvez a arte comece a se tornar irreconhecível para o homem que não encontra ressonância na articulação social da qual participa, sentindo-se mais como uma presa na teia cultural do que como um dos tecelões de sua trama. Diante desse contexto, tende a buscar nas manifestações artísticas ecos de seu pequeno cotidiano ou refúgios que o apartem dele, sendo ambas formas de se afastar de seu nicho existencial, da busca de nexo e sentido para o ser, como se o existir já lhe exaurisse. Mas como disse Pedrosa,
“a obra de arte não pode misturar-se ao cotidiano da vida, equiparada a uma obrigação social que se cumpre, uma farra que se faça, uma violência que se comete, uma frustração que se sentiu.
Por sua própria natureza, ela tem de se afastar do chão onde fazemos nossas andanças.”
Esse afastamento corresponde ao que Pedrosa chamou de “distância psíquica ideal” entre o autor ou espectador e a obra, para que seja possível a fruição estética, a apreensão do fluxo da energia vital por entre as formas, e disso decorre a aproximação das forças criativas no bojo do próprio homem, de seu potencial de vir-a-ser.
A arte moderna, ao deixar de retratar faces “reconhecíveis” do real, entranhou-se pelos intermeios de suas forças constitutivas, colocando o homem frente a frente com sua própria condição existencial, com o seu sentido de humanidade. E isso por uma absoluta necessidade e contingência do mundo atual, em que não se encontram valores e significados coletivos que norteiem e referenciem as experiências humanas. Além disso, a concepção de mundo instaurada pela modernidade revelou que vários processos estão ocorrendo ao mesmo tempo, relativizando e redimensionando as relações entre o homem e seu universo, um universo em contínuo movimento e multifacetado. Diante da multiplicidade de pontos de vista, da ausência de um mínimo de consenso sobre o que é certo ou errado, bom ou mal, desejável ou execrável, diante da contínua edificação e derrocada de mitos, só restou ao homem a possibilidade de busca de sentidos para o viver no interior do próprio ser, no que o diferencia do não-ser, para daí poder ressurgir como pessoa.
“Assim, a temática principal da arte contemporânea gira em torno de questões íntimas, questões existenciais, num amplo leque de sentimentos que vão desde a angústia e o medo, à coragem face ao medo, à resignação, à esperança e, eventualmente, a novos significados humanos encontrados no próprio viver.
A expressão de tais conteúdos não tem que passar obrigatoriamente pela figuração (onde os sentimentos transparecem na representação, e interpretação, de determinados episódios ou situações envolvendo objetos ou figuras). Ao contrário, o sentido fundamental dessas cogitações íntimas se transmitirá tanto mais claramente quanto menos as formas forem circunscritas a acontecimentos do mundo externo ou a simbolismos já convencionados (religiosos ou sociais). A arte abstrata de hoje (e, no fundo, a estrutura formal abstrata de qualquer obra figurativa) expressa estados gerais de ser, estados de consciência."
(Fayga Ostrower)
A arte respira e se torna viva e vivificante na medida em que testemunha e propicia a relação significativa entre a pessoa e a coletividade, favorecendo assim o exercício da alteridade e a ampliação da consciência de si próprio e do mundo. Ela necessita que as polaridades eu-outro sejam inseridas e integradas de maneira significativa e dinâmica no contexto cultural.
O indivíduo que, como disse Ostrower, pôde crescer em seu tempo vital
e ... amadurecer, integrando-se como ser individual e como ser cultural, podendo exercer o seu “estilo de ser”, vivencia como que um renascimento a partir do útero cultural, atingindo um novo ponto de partida em seu crescimento psíquico, apropriando-se de seu potencial criador e colocando-se como co-autor do enredo de sua vida e de sua época.
“Quando uma pessoa é aberta à vida, sem preconceitos, e receptiva às novas experiências, quando ela é capaz de diferenciar-se e reintegrar-se, de amadurecer e crescer espiritualmente, ela terá condições para criar. Cada um poderá então selecionar intuitivamente, livremente, entre as várias áreas de interesse, aquelas que correspondam às suas reais necessidades e potencialidades, e se sentirá motivado a buscar na linguagem artística, também intuitivamente, certas ordenações que expressem seus sentimentos. Por sua vez, as ordenações manifestas nas formas criadas haverão de revelar as ordenações íntimas da personalidade, em visões talvez desconhecidas antes de terem sido articuladas através dos processos de criação. Deste modo, o fazer criativo sempre se desdobra numa simultânea exteriorização e interiorização da experiência de vida, numa compreensão maior de si próprio e numa constante abertura de novas perspectivas do ser. Reflete o sentido do desenvolvimento da personalidade como um todo, da pessoa vivendo mais plenamente sua vida. É o que constitui essencialmente a motivação criativa de alguém. Este incentivo ao mesmo tempo se renova e aponta certos rumos que se abrem à imaginação"
A arte respira e se torna viva e vivificante na medida em que testemunha e propicia a relação significativa entre a pessoa e a coletividade, favorecendo assim o exercício da alteridade e a ampliação da consciência de si próprio e do mundo. Ela necessita que as polaridades eu-outro sejam inseridas e integradas de maneira significativa e dinâmica no contexto cultural.
O indivíduo que, como disse Ostrower, pôde crescer em seu tempo vital
e ... amadurecer, integrando-se como ser individual e como ser cultural, podendo exercer o seu “estilo de ser”, vivencia como que um renascimento a partir do útero cultural, atingindo um novo ponto de partida em seu crescimento psíquico, apropriando-se de seu potencial criador e colocando-se como co-autor do enredo de sua vida e de sua época.
“Quando uma pessoa é aberta à vida, sem preconceitos, e receptiva às novas experiências, quando ela é capaz de diferenciar-se e reintegrar-se, de amadurecer e crescer espiritualmente, ela terá condições para criar. Cada um poderá então selecionar intuitivamente, livremente, entre as várias áreas de interesse, aquelas que correspondam às suas reais necessidades e potencialidades, e se sentirá motivado a buscar na linguagem artística, também intuitivamente, certas ordenações que expressem seus sentimentos. Por sua vez, as ordenações manifestas nas formas criadas haverão de revelar as ordenações íntimas da personalidade, em visões talvez desconhecidas antes de terem sido articuladas através dos processos de criação. Deste modo, o fazer criativo sempre se desdobra numa simultânea exteriorização e interiorização da experiência de vida, numa compreensão maior de si próprio e numa constante abertura de novas perspectivas do ser. Reflete o sentido do desenvolvimento da personalidade como um todo, da pessoa vivendo mais plenamente sua vida. É o que constitui essencialmente a motivação criativa de alguém. Este incentivo ao mesmo tempo se renova e aponta certos rumos que se abrem à imaginação"
(Fayga Ostrower)
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