A teia de aranha tem um significado muito especial para mim, já que as aranhas estão simbolicamente relacionadas à criatividade e às histórias, que sempre estiveram presentes em minha vida... E não é que no outro dia, ao entrar no meu carro de manhã para ir ao consultório, me deparo com uma teia de aranha (com a aranha em seu centro) confeccionada provavelmente na penumbra da noite, belamente tecida como uma mandala (dá para ver bem a sua teia na foto acima)!!! Eu ia dirigindo (pois só vi a aranha depois que já estava com o carro andando), com a teia bem ao meu lado, perto do câmbio de marchas, e conversando com a aranha:
.
-Querida aranha, a sua teia é linda, e você sabe que admiro as aranhas por isso, pelo seu belo trabalho e pelo que ele simboliza: a "teia da vida" e de nossas relações... mas por favor, fique aí, não pule em mim, e me perdoe porque eu vou precisar tirar você e a sua teia do meu carro quando eu chegar ao consultório!
.
(E é claro que antes de retirar a aranha, me desculpando por desmanchar a sua primorosa teia, eu a fotografei - por sorte eu estava com a máquina em minha bolsa, pois era dia de curso e eu sempre levo a máquina para tirar fotos dos trabalhos dos alunos).
.
-Querida aranha, a sua teia é linda, e você sabe que admiro as aranhas por isso, pelo seu belo trabalho e pelo que ele simboliza: a "teia da vida" e de nossas relações... mas por favor, fique aí, não pule em mim, e me perdoe porque eu vou precisar tirar você e a sua teia do meu carro quando eu chegar ao consultório!
.
(E é claro que antes de retirar a aranha, me desculpando por desmanchar a sua primorosa teia, eu a fotografei - por sorte eu estava com a máquina em minha bolsa, pois era dia de curso e eu sempre levo a máquina para tirar fotos dos trabalhos dos alunos).
Mas ao mesmo tempo, que bênção ter esse olhar para o mundo, e saborear momentos como esse: uma aranha fez umna teia em meu carro, uma mandala viva cheia de significados, a Natureza dialogando comigo! Me senti honrada por isso...

_____

A teia de aranha relaciona-se tembém, pois todo símbolo tem a sua face e dorso, às ilusões com as quais revestimos a realidade enquanto não somos capazes de enxergá-la para além do visível (o que é um dom dos visionários). Por isso a deusa hindu Maya tece véus que a encobrem, para que aguentemos olhar para ela sem nos despedaçarmos pela visão de sua magnitude. Mas ao mesmo tempo, é uma deusa ligada ao Feminino e à matéria: a mulher tece em seu útero as vestes que revestirá, em forma de um corpo, a alma de um novo ser!
-Como coloco no meu livro II: Mitologia Indígena e Arteterapia, "a atividade de tecer é em várias culturas um atributo do feminino, relacionando-se com a criação, com o nosso destino, com as histórias que vivenciamos ao longo de nossas vidas (...) De acordo com Chevalier e Gheerbrant (1993), na África do Norte (...) 'o trabalho de tecelagem é um trabalho de criação, um parto. Quando o tecido está pronto o tecelão corta os fios que o prendem ao tear, e ao fazê-lo, pronuncia a fórmula de bênção que diz a parteira ao cortar o cordão umbilical do recém-nascido. Tudo se passa como se a tecelagem traduzisse em linguagem simples uma anatomina misteriosa do homem.'"
.
Na mitologia grega, temos as Moîras (tecelãs do destino), e Aracne, transformada em aranha por Atená ao desrespeitar os deuses em um de seus bordados numa competição que insistiu em ter com Atená: o seu bordado tinha uma técnica impecável, mas faltava-lhe a humildade, sem a qual nenhum conhecimento pode transfromar-se em sabedoria, faltava-lhe reconhecer que é o divino em nós que nos faz criar, e saber honrar isso (Jung dia que a criação é um grande mistério, e que os mistérios não se explicam), é através de nossa humilde (a palavra humildade vem de húmus, que é matéria orgânica depositada no solo) humanidade que podemos nos colocar a serviço dos deuses, trazendo um pouco mais de luz, assim, ao mundo através das nossas ações, das nossas criações... Aliás, foi Atená quem ensinou aos homens a arte de bordar.

Encontramos também na mitologia grega o fio de Ariadne, que com ele permitiu que Teseu entrasse e saísse do labirinto (onde estava o minotauro) sem se perder, e o manto tecido de dia e desfeito de noite por Penélope, enquanto esperava pela volta de Ulisses...
.
Uma história sobre mulheres tecelãs que merece ser contada aqui com mais detalhes, em outra oportunidade, é a de Sherazade, que tecia com palavras, através de suas histórias, a teia de sua relação com o sultão, curando-o da ferida aberta pela traição através de seu amor e de seus contos...


Segundo Adélia Bezerra de Meneses, que faz uma profunda e sensível análise dessa história, "Sherazade oferece ao sultão uma linguagem, um discurso simbólico que possa atingi-lo, por inteiriçado e crispado que ele estivesse na sua incapacidade afetiva. Ela oferece ao sultão o acesso ao mundo simbólico; oferta-lhe uma linguagem, como queria Lévi-Strauss, "na qual podem exprimir-se estados não formulados e, de outro modo, não formuláveis". "Não é portentoso que na noite 602, o rei Xariar ouça da boca da rainha a sua própria história?", pergunta-se Jorge Luís Borges extasiado.
Sherazade apresenta a Xariar o nível mítico: apresenta-lhe à consciência conflitos que o traumatizaram, bloqueando sua capacidade afetiva, de tal maneira que ele possa lidar com eles. É por isso que ela não expurga de suas narrativas as histórias de adultérios e traições femininas, não omite casos em que as mulheres enganam a seus maridos; ela não faz ao rei uma narrativa "ad usum delphini"; é notável a ausência de censura moral nas suas histórias.
Trata-se aqui, como na psicanálise, (e na cura chamanística), de propiciar uma transformação interior, consistindo numa reorganização estrutural da personalidade: trata-se de recuperar a capacidade amorosa do sultão. Pois bem, Sheherazade, como na transferência, propicia ao sultão que reviva com ela uma experiência afetiva continuada e para isso ela precisava de tempo (a saber: 1001 noites -o tempo de uma terapia?) e assim resgata sua capacidade afetiva (...) Não nos podemos esquecer de que as narrativas de Sheherazade se seguiam às suas noites de amor com o sultão e são suas histórias que lhe facultam a possibilidade de dormir próxima noite com ele. É a narrativa que possibilita o encontro futuro. Já se disse que se Sheherazade tivesse oferecido ao sultão só o seu corpo, ela teria sido executada, logo após a primeira noite: foi o que, todas as suas antecessoras fizeram, e todas pereceram. E Sheherazade salva não apenas a si própria e a todas as mulheres em idade de casar do seu povo: ela salva também o sultão: ela o cura de sua ira patológica e assassina, e possibilita a ele uma descendência. A persistir no seu plano cruel e ginecida, o sultão se privaria para sempre de amar, e de filhos. Sheherazade oferece a ele o tempo e, junto com as suas histórias, a História; oferece a ele o tempo, e, junto com ele, as coisas todas que dele precisam para se engendrarem: os filhos, a duração do afeto, a permanência de vínculos, o longo processo (analítico) de uma cura. Sheherazade oferece ao sultão um discurso vivo.
Sherazade apresenta a Xariar o nível mítico: apresenta-lhe à consciência conflitos que o traumatizaram, bloqueando sua capacidade afetiva, de tal maneira que ele possa lidar com eles. É por isso que ela não expurga de suas narrativas as histórias de adultérios e traições femininas, não omite casos em que as mulheres enganam a seus maridos; ela não faz ao rei uma narrativa "ad usum delphini"; é notável a ausência de censura moral nas suas histórias.
Trata-se aqui, como na psicanálise, (e na cura chamanística), de propiciar uma transformação interior, consistindo numa reorganização estrutural da personalidade: trata-se de recuperar a capacidade amorosa do sultão. Pois bem, Sheherazade, como na transferência, propicia ao sultão que reviva com ela uma experiência afetiva continuada e para isso ela precisava de tempo (a saber: 1001 noites -o tempo de uma terapia?) e assim resgata sua capacidade afetiva (...) Não nos podemos esquecer de que as narrativas de Sheherazade se seguiam às suas noites de amor com o sultão e são suas histórias que lhe facultam a possibilidade de dormir próxima noite com ele. É a narrativa que possibilita o encontro futuro. Já se disse que se Sheherazade tivesse oferecido ao sultão só o seu corpo, ela teria sido executada, logo após a primeira noite: foi o que, todas as suas antecessoras fizeram, e todas pereceram. E Sheherazade salva não apenas a si própria e a todas as mulheres em idade de casar do seu povo: ela salva também o sultão: ela o cura de sua ira patológica e assassina, e possibilita a ele uma descendência. A persistir no seu plano cruel e ginecida, o sultão se privaria para sempre de amar, e de filhos. Sheherazade oferece a ele o tempo e, junto com as suas histórias, a História; oferece a ele o tempo, e, junto com ele, as coisas todas que dele precisam para se engendrarem: os filhos, a duração do afeto, a permanência de vínculos, o longo processo (analítico) de uma cura. Sheherazade oferece ao sultão um discurso vivo.
.
Resta ainda lembrar do filme "A colcha de retalhos" (quem ainda não assistiu, assista!), em que um grupo de mulheres faz uma colcha de retalhos para a neta de uma delas, que vai se casar, inspirando-se no tema: "Onde mora o amor", e ao fazê-la, cada uma dessas mulheres vai contando a sua história de vida para essa neta, que está ao mesmo tempo recolhendo essas histórias para a sua dissertação de mestrado, sobre o tema: "quando mulheres se reúnem para fazer um trabalho manual, isso é uma espécie de ritual" - e é claro que nesse processo de criação, essas mulheres vão revendo as suas vidas, passando por um processo de transformação!
Resta ainda lembrar do filme "A colcha de retalhos" (quem ainda não assistiu, assista!), em que um grupo de mulheres faz uma colcha de retalhos para a neta de uma delas, que vai se casar, inspirando-se no tema: "Onde mora o amor", e ao fazê-la, cada uma dessas mulheres vai contando a sua história de vida para essa neta, que está ao mesmo tempo recolhendo essas histórias para a sua dissertação de mestrado, sobre o tema: "quando mulheres se reúnem para fazer um trabalho manual, isso é uma espécie de ritual" - e é claro que nesse processo de criação, essas mulheres vão revendo as suas vidas, passando por um processo de transformação!
-
Esse filme nos remete a um conto tibetano: "O Quadro de Pano", do qual fiz a interpretação simbólica na minha dissertação de mestrado, para trabalhar a compreensão do processo criativo, e que está no meu quinto livro (A Alquimia nos contos e mitos e a Arteterapia), quando falo da multiplicatio na alquimia, que consiste no efeito reverberante e multiplicador da pedra filosofal (como o milagre da multiplicação dos peixes), mostrando que a vivência de processos criadores, além de nos transformar, se estende para o mundo através de todas as nossas relações, transformando-o também. Nesse conto, uma vivúva tece um quadro em que representa a sua aldeia como gostaria que ela fosse (bela e próspera), e ao final de muitas aventuras, com a ajuda das fadas, toda a aldeia se transforma no quadro tecido pela viúva... Uma versão infantil desse conto está no livro: O Bordado Encantado. _
Esse filme nos remete a um conto tibetano: "O Quadro de Pano", do qual fiz a interpretação simbólica na minha dissertação de mestrado, para trabalhar a compreensão do processo criativo, e que está no meu quinto livro (A Alquimia nos contos e mitos e a Arteterapia), quando falo da multiplicatio na alquimia, que consiste no efeito reverberante e multiplicador da pedra filosofal (como o milagre da multiplicação dos peixes), mostrando que a vivência de processos criadores, além de nos transformar, se estende para o mundo através de todas as nossas relações, transformando-o também. Nesse conto, uma vivúva tece um quadro em que representa a sua aldeia como gostaria que ela fosse (bela e próspera), e ao final de muitas aventuras, com a ajuda das fadas, toda a aldeia se transforma no quadro tecido pela viúva... Uma versão infantil desse conto está no livro: O Bordado Encantado. _

---------------------------------


3 comentários:
E vivam as aranhas!!!
E vivam as teias que tecemos e os miraculosos e invisíveis fios que nos unem, não por acaso, mas como parte de uma trama maior, a trama da Vida.
Abd e Bjs pra vc, sempre!!!
Patrícia, me perco no seu Blog, fico horas aqui lendo, vendo os vídeos e admirando a sua sensibilidade! um bjo grande
Te agradeço por este post, que me trouxe luz e carinho pela sensibilidade.
Me ajudou, e ajudará!
Postar um comentário