"Que te devolvam a alma homem do nosso tempo. Pede isso a Deus ou às coisas que acreditas: à terra, às águas, à noite desmedida. Uiva se quiseres, ao teu próprio ventre se é ele quem comanda a tua vida, não importa... Pede à mulher, àquela que foi noiva, à que se fez amiga. Abre a tua boca, ulula, pede à chuva. Ruge como se tivesses no peito uma enorme ferida, escancara a tua boca, regouga: A ALMA. A ALMA DE VOLTA." (Hilda Hilst)



24/11/2010

Eros e Psiqué

Ai de nós, mulheres Psiqué, à espera do arrebatamento de Eros para que ele, com suas flechas, abra brechas por onde o encanto e o deleite se derramem sobre nossa vida cotidiana, e a faça bela...
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"Psiquê ... não está apta para um viver convencional. Parece que não foi feita para a mediocridade. Não lhe interessa um cotidiano enfadonho, insosso e doentio. Espera por outros desígnios... Psiquê é então um paradoxo: é especial e simples. ... Ao que parece isso é essencial em Psiquê: a necessidade de eleger o psíquico na vida comum e habitual" (López-Pedrosa, em seu livro: "Sobre Eros e Psiquê)
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O conto Eros e Psiqué, segundo versão de Junito Brandão, recontada no meu livro (Vol V da Coleção: A Prática da Arteterapia): A Alquimia nos Contos e Mitos e a Arteterapia (p. 116 a 119):
_"Num reino distante, um rei tinha três filhas. A mais nova, Psiqué, era tão linda que começou a ser considerada uma nova Afrodite, deusa grega do amor e da beleza, e a ser adorada como uma deusa. Diziam que Psiqué nasceu de uma gota de orvalho que caiu sobre a terra. Enquanto suas irmãs se casaram, Psiqué continuava solteira, sem pretendentes, sendo só idolatrada pelos homens, e sendo por isso alvo da preocupação de seus pais, que consultaram um oráculo que era dominado por Afrodite. Afrodite estava furiosa pelo fato dos homens estarem adorando Psiqué como se ela fosse uma nova Afrodite, e resolveu se vingar dela. Disse através do oráculo, aos pais de Psqué, que eles deveriam acorrentá-la a um penhasco para que ela desposasse a mais horrenda e repulsiva criatura, a Morte. E os pais assim o fizeram, por insistência da própria Psique, que decidiu se sacrificar pelo bem de todo o reino, já que era isso o que o oráculo prescreveu que deveria ser feito.
Para destruir Psiqué, Afrodite pede a ajuda de seu filho, Eros, o deus do amor, solicitando que ele faça com que Psiqué se apaixone pelo monstro que virá buscá-la, mas ao ver Psiqué, Eros acidentalmente espeta os dedos em uma de suas flechas, e se apaixona por ela. Eros decide então desposá-la e pede ao vento Zéfiro que a leve ao Vale do Paraíso. Lá Psiqué vive num palácio de pedras preciosas, todos os seus desejos são prontamente atendidos, e todas as noites ela recebe a visita de Eros, que se deita com ela. Mas Eros coloca a ela a condição de não vê-lo nem fazer-lhe perguntas.
As irmãs de Psiqué ouvem boatos sobre a vida da irmã, e movidas pela inveja chamam por ela e pedem que ela as receba. Psiqué consegue a permissão de Eros para ver suas irmãs, já que se sente muito sozinha em seu palácio, e as irmãs a convencem de que ela está casada com um monstro horrível, e que deve à noite apunhalá-lo para salvar sua vida. Munida então com um candeeiro e uma faca, Psiqué, convencida de que se casara com um monstro, vê a face de Eros ao acender a lâmpada, ficando tão encantada com a sua beleza que se inclina para beijá-lo. Nisso uma gota de óleo do candeeiro cai sobre Eros, ferindo-o e acordando-o, e Psiqué se fere acidentalmente em uma de suas flechas, apaixonando-se por ele. Eros sai de lá, dizendo a Psiqué que ela havia quebrado o acordo que tinham feito, ela o havia traído, e vai cuidar do seu ferimento junto de sua mãe, Afrodite.
Psiqué, apaixonada e desesperada, aconselhada por Pã, implora à Afrodite sua ajuda para reencontrar Eros. Afrodite aceita ajudá-la desde que realize uma tarefa: separar por espécie grãos e sementes que enchem um cômodo, em apenas uma noite. Psiqué, ajudada pelas formigas que andavam por lá e se compadeceram dela, realiza a tarefa, e Afrodite, não se conformando com o fato dela ter realizado o que nenhum mortal poderia ter feito em tão pouco tempo, lhe dita outra tarefa: trazer-lhe flocos de lã de carneiros do sol, que eram selvagens e ferozes. Mais uma vez, ajudada agora pelos sábios conselhos de juncos à beira de um rio, no qual pensa em se atirar para se matar (já que morreria de qualquer jeito se tentasse se aproximar dos carneiros ferozes), ela consegue colher os flocos de lã que ficaram presos em galhos de árvores, ao entardecer, quando os carneiros recolheram-se para descansar e dormir.
Não satisfeita Afrodite decreta-lhe a terceira tarefa: encher uma taça de cristal com a água do Estige, um rio que nasce no alto de uma montanha, desaparece sob o solo e reaparece na montanha. Mais uma vez Psique realiza a tarefa, dessa vez ajudada pela águia de Zeus, que voando enche a taça e a traz para Psiqué. Diante disso Afrodite dá ainda a Psiqué uma quarta tarefa, desconfiando que tenha sido ela a realizadora das outras três: ela deverá descer ao reino dos mortos e pegar com Perséfone, a rainha do Hades, uma caixa que conteria a beleza imortal, trazendo-a para Afrodite. Dessa vez ela foi ajudada por uma torre, na qual subiu para se atirar de lá de cima e se matar, já que a única maneira de entrar no reino dos mortos e encontrar Perséfone seria morrendo... mas a torre orienta Psiqué com relação ao que deve ou não fazer através dessa travessia. Psiqué pega a caixa, só que, antes de retornar, resolve abrir a caixa para ficar bonita para Eros, afinal ela quer que o amado a veja bela! Ao abri-la, Psiqué cai desfalecida e é salva por Eros, que a leva para o Olimpo e lá se casa com ela, imortalizando-a. Psiqué estava grávida e dá à luz a uma filha, Volúpia."
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Sobre o caminho percorrido por Psiqué para reencontrar Eros, Neumann comenta:
“Esse tipo de desenvolvimento em que a espontaneidade de Psiqué e sua energia vital orientadora dá o exantema e determina a vida do homem, é conhecido tanto na psicologia do ser humano criativo como na psicologia da individuação. Em todos esses processos, em que a psique dirige e o masculino obedece, o eu desiste do seu papel de líder e é orientado pela totalidade. No caso do desenvolvimento psíquico, no qual o não-eu, o Self, comprova ser o centro, trata-se de um processo de criação e de um processo de iniciação num só processo”
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EROS E PSIQUÊ
(Fernando Pessoa)




Conta a lenda que dormia
Uma princesa encantada
A quem só despertaria
O infante, que viria
De além do muro da estrada.
.Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado,
Por o que à Princesa vem.
.A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
.Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
.Mas cada um cumpre o destino –
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
.E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
-E, inda tonto do que houvera,
À cabeça em maresia,
Ergue a mão e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Um comentário:

Kath disse...

Grata, Ana! Pelo conto e pelos encantos!
bjs
Kath